Belo Monte … de dúvidas

Comentários e dúvidas sobre a Nota FUNCEF (NF) e o Comunicado dos Diretores Eleitos (CDE), ambos de 20/03/2015. (Em itálico e entre aspas, recortes da Nota e do Comunicado. Grifos nossos.)

Mesmo tendo recebido apelos de parte dos associados, diretoria e conselho deliberativo da FUNCEF comunicam que decidiram, por unanimidade (!!!), efetuar aporte adicional de R$ 130 milhões em Belo Monte. Ops! R$ 130 milhões? Não sabemos. A Nota informa R$ 130 milhões, o Comunicado informa R$ 120 milhões. Talvez não tenha sido unânime, já que aprovaram valores diferentes.

DOS RECURSOS

Se 120 ou 130 milhões, não que seja pouco, pouco importa. 20% ou 21,7% de acréscimo no investimento inicial, representam o mesmo risco. Não é, portanto, essa diferença de 1,7%, que a diretoria bate cabeça para nos informar, que nos preocupa. Nossas preocupações são de outra ordem, todas relacionadas às lacunas apresentadas na Nota da FUNCEF e no Comunicado dos diretores eleitos.

A primeira. O investimento em Belo Monte prevê a “exploração da produção de energia elétrica até 2045” (item 2 CDE). Imaginamos que a taxa de retorno interno considere esse prazo de investimento. Ou seja, a rentabilidade deve se materializar ao longo dos próximos 30 anos.

Quase 70% dos recursos investidos são dos planos REG/REPLAN (saldado e não saldado). Planos que apresentaram déficit superior a 5 bilhões em novembro último e têm duration de aproximadamente 12 anos.

Perguntas: Não há nada errado em investir por 30 anos recursos de planos que durarão em média 12 anos? Ainda mais de planos que apresentam déficits e que necessitam agilizar o retorno dos investimentos?

Pois é, enquanto a PREVI (que não apresenta déficit) anuncia que reduzirá aplicações em infraestrutura (http://www.valor.com.br/financas/3856704/previ-reduzira-aplicacao-em-infraestrutura), nostra armata brancaleone ruma em direção contrária.

DAS JUSTIFICATIVAS

A FUNCEF inicia a Nota dizendo que foi “em cumprimento a decisões do Conselho de Administração e da Assembleia Geral de Acionistas da Norte Energia S/A” que a diretoria e o conselho de administração aprovaram o aporte adicional de capital.

Se, por força de contrato, a FUNCEF está obrigada a acatar as decisões dessas instâncias, é certo que não tínhamos para onde correr. Cumpra-se o contrato, ainda que possamos questionar se a FUNCEF realmente deve submeter-se a tais deliberações quando a “…governança do investimento, elemento fundamental para uma gestão adequada do ativo…”, está citada em processo sob investigação do Ministério Público e da Polícia Federal.

Perguntamos se não caberia prever em contrato uma suspensão de determinadas cláusulas, em especial sobre novos aportes, no caso de indícios de irregularidades.

O que gostaríamos de ouvir da FUNCEF: fomos contra novos aportes e defendemos isso lá no conselho da Norte Energia. Infelizmente fomos voto vencido e teremos que acatar a decisão. Pronto. Daríamos uns cascudos nos nossos advogados e, como diz uma amiga de face book, chuparíamos até o fim a jaca que plantamos.

Mas não, cada vez mais nos convencemos que na FUNCE as coisas não acontecem por acaso. A diretoria da FUNCEF é quem cria a sua conjuntura desfavorável e é difícil ver sustentarem suas decisões buscando nossa anuência com justificativas que trazem mais dúvidas que esclarecimentos. Vejamos.

1ª. – A diretoria e o conselho deliberativo acreditam que “Embora tenham sido aventados pela imprensa, até o presente momento, não houve qualquer evidência ou fato concreto a respeito de condutas ilegais ou incompatíveis com as boas práticas de gestão…” (pág. 2 da NF e item 10 do CDE). Os fatos, deixemos para a PF investigar, mas evidências?!

Procurem no Google “lava jato belo monte”. Pronto. Tentem contar quantos resultados aparecem. Podem também acessar o site: http://www.lavajato.mpf.mp.br/. Ainda assim, para a diretoria e conselho da FUNCEF, não há evidências!

2ª. – “Trata-se de aporte destinado a suprir as necessidades de recursos… tendo em vista a indefinição, até o momento, do agente financiador principal (BNDES), quanto ao pedido de suplementação de financiamento…” (item 1 do CDE).

Pergunta: Por que o BNDES, o principal financiador, não aceitou até agora efetuar tal aporte?

DOS PRAZOS

Segundo a Nota “não há atrasos significativos em relação ao planejado”, mas admite “atraso de aproximadamente nove meses no início da operação da Casa de Força Complementar… cujas operações serão responsáveis pela geração de apenas 3%… pouco representativa no contexto do projeto. O início da operação… foi revisto para novembro/2015”. Esclarecem no parágrafo seguinte que o atraso deveu-se a “fatores excludentes de responsabilidade”. É claro, já sabíamos, foram os outros que deram causa.

Dizem, ainda, que “as operações na Casa de Força Principal…, responsável por 97% de toda a energia da hidrelétrica, continuam com o início das operações previsto para… março/2016”.

Como assim? 3% serão concluídos em nov/2015 e 97% em mar/2016, certo? 3% + 97% = 100%, certo?

É o que pensamos. Mas vejam só: “A UHE Belo Monte, quando concluída, em 2019…” (?!!!)

Palavras do Sr. Duilio Diniz de Figueiredo, Diretor-Presidente da Norte Energia, em Mensagem da Administração. http://norteenergiasa.com.br/site/wp-content/uploads/2015/03/Valor-Norte-Energia-S.A..pdf. Afinal, qual a data de conclusão, 2016 ou 2019? Favor esclarecer.

DA SEGURANÇA

Esse é um dos aspectos mais preocupantes. Comecemos pela NF. “O aporte, …foi objeto de avaliações econômico-financeiras por parte da FUNCEF, com foco na relação risco versus retorno, segurança e liquidez”, of course!

“…tanto a Diretoria de Relações com Investidores da companhia, quanto o membro do Conselho de Administração da companhia indicado pela FUNCEF, demonstraram o bom andamento do projeto e o compromisso da diretoria…”. Ora senhores, alguém já viu um profissional que precisa captar 1,3 bilhões ir ao mercado dizendo: pessoal, precisamos de 1,3 bilhões, mas adianto que o projeto tem alguns probleminhas e a diretoria não está comprometida?

E o Augusto? Desculpe-nos Augusto, com toda a consideração que você merece, temos pena de você por ter dado esse aval. O que você entende de projeto de hidrelétrica? Não, não. Não nos sentimos seguro. Lamentamos!

Tá bom, o CDE cita que participam do empreendimento as empresas estatais ELETROBRAS, ELETRONORTE, CEMIG e CHESF, “que contribuem com sua expertise para o acompanhamento e supervisão técnica do andamento do projeto”. Não fosse o fato de que, à exceção da CHESF, todas as demais também são citadas ou investigadas na operação Lava Jato, talvez me tranquilizasse nesse aspecto.

“A obra da UHE Belo Monte é fiscalizada por auditorias internas e externas, …, pelo IBAMA, FUNAI e Ministério Público…”. Sim, o que querem dizer com isso? Vocês citam esses órgãos como se os mesmos tivessem fornecido atestados de boa gestão. Até poderíamos entender assim se até hoje não houvesse ações contrárias à obra por nenhum deles. Na pesquisa que fiz, a obra apresenta problemas com os três órgãos federais. Só o Ministério Público tem mais de 20 ações contra Belo Monte.

Como último argumento para nos tranquilizar dizem que “A companhia possui demonstrações contábeis aferidas por auditoria independente, efetuada atualmente pela Ernest & Young, aspecto que contribui para a transparência e segurança dos investidores”.

Fomos até o link que indicam. O que vimos? Um ateste de que as demonstrações financeiras apresentadas estão de acordo com as boas práticas contábeis adotadas no Brasil. Como os senhores não entenderam a razão das nossas preocupações, vamos reforça-la. As nossas preocupações são os indícios (que os senhores negam) apontados na operação Lava Jato, e estes certamente não estão contabilizados.

Mas tem algo mais interessante no relatório da Ernest & Young. “…a Companhia vem despendendo quantias significativas em custos de organização, desenvolvimento e pré-operação, os quais,…, deverão ser absorvidos pelas receitas de operações futuras. …dependem da capacidade da Companhia em continuar cumprindo o cronograma de obras previsto, bem como a obtenção dos recursos financeiros necessários, seja de seus acionistas ou de terceiros”.

Por acaso a Companhia vem cumprindo o cronograma? Por acaso a companhia vem obtendo os recursos necessários junto a terceiros?

Outro aspecto que merece ser levantado em relação à auditoria independente é o que é, para a FUNCEF, auditoria independente. Não estamos aqui questionando o trabalho que a Ernest & Young vem fazendo para a Norte Energia. Nem temos capacidade para tanto. A questão é conceitual, mas tem toda a sua importância porque reflete a noção de transparência e o tipo de gestão. Uma gestão que pretende realmente “contribuir parra a transparência e segurança dos investidores” deveria admitir uma auditoria não paga pela própria Companhia. Esta questão não vem à tona de forma gratuita. Não sejamos ingênuos no mundo dos negócios. Vejam as manchetes com os respectivos links.

O Ministério Público de Nova York entrou com uma ação judicial contra a consultoria Ernst & Young devido à falência do banco de investimentos Lehman Brothers em 2008. A empresa é acusada de fraude e de esconder os riscos financeiros do banco.

http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201012211641_RTR_79447167

São tantas as grandes companhias que sofreram colapsos após terem sua contabilidade aprovada pelas Quatro Grandes firmas de auditoria que muita gente considera seus pareceres uma piada. Afinal de contas, é o cliente quem paga as auditorias.

http://4mail.com.br/Artigo/ViewFenacon/011001000000000

KPMG e Ernst &Young são acusadas de omissão no caso Banco Cruzeiro do Sul

Ministério Público de São Paulo alega que as empresas descumpriram normas relevantes de auditoria e não alertaram para as irregularidades dos contratos da instituição financeira

http://veja.abril.com.br/noticia/economia/kpmg-e-ernst-young-sao-acusadas-de-tambem-ter-responsabilidade-no-caso-banco-cruzeiro-do-sul/

EUA multam auditoria Ernest & Young e punem sócios

http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/eua-multam-auditora-ernst-young-e-punem-socios

Existem centenas de registros a esse respeito, basta procurar. Mas fiquemos por aqui, pois uma de nossas questões centrais é exatamente a transparência e, nesse quesito, a FUNCEF tem muito, mas muuuuito mesmo a aprender.

DAS RESPONSABILIDADES

Diz, ainda, a Nota: “Importante destacar que, em conformidade com o que estabelecem a legislação e o regramento interno da FUNCEF, em especial o que dispõe o Estatuto da entidade, que outorga competência à Diretoria Executiva e ao Conselho Deliberativo para deliberar sobre investimentos, cabe-lhes, exclusivamente, a tomada de decisão sobre o aporte na Norte Energia…”.

Muito bom senhores Conselheiros e Diretores, agora sabemos a quem atribuir EXCLUSIVAMENTE a responsabilidade “nos casos em que algum risco venha a se materializar”. Lembremos: aqui é mais difícil que dizer que se tratou de conjuntura.

A FUNCEF finaliza sua Nota salientando que “Todos os demais acionistas, inclusive os fundos de pensão que investiram neste projeto aprovaram o aporte adicional”.

Todos os fundos de pensão aprovaram? Nenhumzinho deixou de aprovar? Quantos fundos de pensão são sócios nesse projeto mesmo? Ah, sim, dois. FUNCEF e PETROS, dois fundos que vêm apresentando ótimos resultados nos últimos anos e sem nenhum ruído de envolvimento em escândalos. Ufa! Ficamos mais tranquilos.

Março de 2015

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